sexta-feira, 20 de maio de 2011

Magos da Rua Augusta

Prólogo

Uma voz sombria ressoa no ar, como um grito de terror e morte. Abro os olhos assustado. Deitado vejo pesadas nuvens que marcham sobre o céu. As mais perversas arquejam fogos azuis na qual descem costurando seu caminho para o campo devastado de árvores retorcidas e sem folhas. Zonzo, tento entender onde estou. Sob o solo, pequenas chamas irradiam leve brilho para guiar os tolos. Pouco afasta a assustadora escuridão.
Umbral do filme "Nosso Lar"
“Não conseguimos passar pela muralha, a Fortaleza é intransponível. Levanta logo, estamos perdendo.”
Diz um homem forte de tez negra, olhos escuros, sangue escorrendo, que me ajuda. Levanto com dificuldades. Ele veste roupas estranhas de guerreiro, de vários tons de marrom, destaca costurada em seu peito uma pedra amarela.
Um raio cai com naturalidade, ele diz:
“A tempestade que requer nossa atenção.”
Observo o campo com cuidado e muito assustado por não enxergar nada. Percebo que as árvores retorcidas lembram pessoas deformadas que gritam sua dor. Divago sobre o terror de suas aparências destruídas em forma de vegetal. Não viro o rosto, continuo a olhar atentamente. Como em um transe, não consigo desviar, certa dormência toma meu corpo, assusto com isso, mas não deixo de olhar o horror das árvores que gritam. Rapidamente, diversos pensamentos tomam minha cabeça, percebo que não são meus. A escuridão toma meus olhos. Vou desmaiar.
“Cuidado!”
Uma voz altiva chama minha atenção. Viro o rosto, atrás de mim uma menina de cabelos loiros e óculos com aros grossos, com no máximo quinze anos, diz seca.
“Deve-se ter cautela aqui, nossa consciência esvai-se com velocidade.”
Uma gema roxa cintila com seu andar, suas roupas lembram a do outro, apesar do decote, saia curta e meias de colegial, e o azulado nos detalhes de sua roupa.
Kate, parece que estamos sozinhos, não estou sentindo a presença dos mestres, parece que temos que continuar sozinhos.”
“Sua observação é válida, neste lugar a vibração deles é insensível para nossos sentidos, deve senti-los em sua consciência somente, Barqueiro.”
Essa conversa apenas me diz que não deveria está aqui. Pergunto para eles onde estou.
“Esqueceu menino, este é o maravilhoso Vale do Grito.” Diz ele rindo.
Droga! Fico ainda mais confuso com a resposta, parece que me perdi nos poemas de Dante. Mas porque infernos estou aqui. Imagino que seja um sonho, a única explicação, mas nunca sonhei com algo assim, é tudo tão real. Olho para eles confuso. Não consigo ver seus rostos, a pouca luz não deixa claro onde começa ou termina eles. Isso só piora as coisas. Como na música “Festa estranha, com gente esquisita "Eu não 'to' legal”, só que aqui não é nenhuma confraternização. É um pesadelo.
 “Vamos, essa será nossa ultima tentativa, devemos usar todo nosso poder. É dever assolar a Fortaleza até fazer cair por terra, com ou sem os mestres.”
Mas o que você está dizendo mulher. Ao meu lado, sinto a presença de outra pessoa. Ele possui uma pedra avermelhada no peito, não vejo bem seu rosto.
“Agora que estão todos aqui, vamos começar o ataque, mas agora sem resguardar nosso poder, entendido Eshu.”
Pensei que se referia a mim, mas sou surpreendido com um quase inaudito “é hora de brincar com fogo” vindo desse Eshu. Dito isso todos os três começam a irradiar de seus corpos uma chama translúcida, meu corpo começa formigar por causa do calor frio que eles transmitem. Olho para Eshu, sua gema brilha ferozmente, a aura que irradia torna-se um vermelho muito intenso.  Seus cabelos ondulam lentamente, como se um vento as tocassem. Não há pupila, iris, somente o vermelho impetuoso que transborda os limites do seu corpo. Ele ri nervosamente e diz:
“Tomem distância crianças, se não quiserem se machucar.”
Eu e os outros andamos lentamente para trás, fico com medo dessa energia de fogo ameaçadora que brota dele.
“E agora, vamos dá o fora daqui.” Diz o Barqueiro, correndo.
Não fico para trás para ver e começo a segui-lo. Eshu começa seu ritual. “Grande invocação do Espírito do Fogo, venha a mim... ARMADA DE HERMES!” grita Eshu com toda sua ferocidade.
Neste instante, ao redor dele milhares de armas de fogo surgiram no ar: revólveres, pistolas, submetralhadoras, espingardas, fuzis de ferrolho, fuzis de assalto, metralhadoras, peças de artilharia, boca de fogos, falconetes, colubrinas, canhões, obuses, morteiros, blindados, tanques de guerra, navios antigos, a vela, naus, galeões, caravelas, fragatas, navios de guerra a vapor, dreadnoughts, e os maiores couraçados da Segunda Guerra: Yamato e Bismarck. Foda demais! Ainda bem que corremos para longe. Olho para ele, seu corpo ainda irradiava fogo, em suas mãos Eshu segura um rifle prateado antigo, ao estilo de um pirata, e apontava-o para além dos morros, na direção de uma enorme montanha.
Fogo”.
As armas disparam, ouço o rugido de todas, uma força repentina de luz e calor atinge meu corpo. Fico cego por um instante, caio atordoado no chão. Mil trovões acertam meus ouvidos, com ela um vento muito forte passar por mim, arrastando-me para longe. Subitamente como começou o silêncio domina, acho que terminou. Um forte zunido ataca meus ouvidos. Agachado, tento abrir os olhos, mas não vejo direito, minha visão está embaçada. Percebo a escuridão voltar a sua possessão. Forço a vista e vejo ao longe, milhares de pontinhos dourados, parecem como as estrelas desse lugar sem céu. Voando a milhares de quilômetros por hora, essas esferas de luz atingem a montanha. Uma forte explosão varre toda a montanha negra, na qual levanta uma poeira cinza, encobrindo ela.
“Essa montanha é a fortaleza?”
“Sim, e nós temos que destrui-la.” Adiantando-se Kate começa a também irradiar uma aura azul. Levanto-me zonzo, olho para o Barqueiro se recompondo também, procuro por Eshu, mas não vejo seu corpo, nem suas armas.
“E Eshu?” pergunto ainda abalado por seu poder.
“Não há necessidade, ele pagou seu preço por servir aos homens, agora é nossa vez.” Diz friamente Kate.
Olho para ela, não entendendo suas palavras, mas sinto o que significavam. Começo cogitar o que estou fazendo aqui, e não me agrada nem um pouco. O leve brilho torna-se mais intenso e Kate diz que é a vez dela. De suas mãos aparecem um pequeno arco prateado, sua corda é como ouro puro, e uma flecha de madeira tão brilhante que parece ter brilho próprio. Ela o aponta para a Fortaleza e depois para as nuvens acima. Um disparo contra o céu. A flecha some na escuridão. O arco desaparece da suas mãos. Ela olha mais uma vez para trás, com um sorriso diz:
“Olhem a tempestade... SILVER RAIN”
A montanha é bombardeada por milhares de flechas pratas. Encobrindo ainda mais a Fortaleza com fumaça. Kate desaparece no espaço. Corro para onde ela estava, mas não há vestígios dela. Grito para o Barqueiro:
“O que está acontecendo aqui, mas que mer...”
“Cala boca, REM! Esse foi o que juramos fazer... vou primeiro, já que você está com medo, depois você ataca... Poderes da Terra reúnam-se em mim, pois vou exercer a sua vontade, por Gaia... TESOURO DE FERRO!”
Em suas mãos surge um enorme martelo, com desenhos e letras estranhas. Seu corpo fica irradia chamas amarelas como o Sol. Os olhos dele são somente luz. Em um piscar de olhos o Barqueiro atravessa o campo em velocidade. À medida que corre seu martelo cresce em tamanho. Com um pulo, atinge as nuvens e some na escuridão. Depois de um tempo vejo uma luz na montanha. Depois a escuridão e as nuvens não revelam mais nada. O Silêncio domina o campo e a Montanha-Fortaleza.

Lições de uma Preta-Velha

"Ísis, Ártemis, Afrodite, Rosmerte, Lilith, Cibele, Eva, Helena, Madalena, Rainha do Céu e Estrela do Mar. Tantos nomes, para aquela que era eterna e sem nome"

Hoje conheci uma vó encarnada. Que ria da própria desgraça. Vó Neusa, catadora de latas. Enquanto ela ria, eu aprendia. Dos problemas do dia-a-dia, eu sabia que um dia passaria. E nessa pequena rima agradeço as lágrimas que derramei, ao ver que podia aprender mais uma vez. Obrigado Vó Maria da Umbanda e Vó Neusa das latinhas.